Marcos, você precisa escrever!
Dito assim, no imperativo, era quase uma ordem.
Fiquei feito estátua, travado, olhando para a cara da Neide sem entender. O que significava aquilo?
Percebendo minha hesitação, ela acrescentou:
Marcos, você é muito bom! Como eu continuava com cara de paisagem, ela respirou fundo, cruzou os braços, olhou dentro dos meus olhos e repetiu: Você precisa escrever! Já pensou em ser escritor?
Eu ia fazer que não com a cabeça, mas naquele instante eu experimentei um tipo de epifania, embora eu nem saiba explicar o que é uma epifania. O que eu sei é que o mundo à minha volta ficou em silêncio, como se o tempo tivesse parado.
Explodiu em minha mente, como um holofote na escuridão, uma pergunta insuportável que eu ouvia quando era criança: “O que você quer ser quando crescer?”. Eu odiava aquela pergunta. E a explicação é simples: eu não sabia responder aquilo.
E naquela noite, já com mais de 30 anos, família e profissão estabelecidas, a minha professora de redação da faculdade de comunicação, desconhecendo a minha história, entregou-me a resposta que busquei a vida inteira.
Pense nisso – ela disse enquanto dava um tapinha no meu ombro. Em seguida voltou para a sua mesa. Parecia uma cena de Star Wars entre o Mestre Yoda e Luke Skywalker.
Contrário à minha percepção, o tempo ao nosso redor não havia parado. A classe continuava agitada, meus colegas conversavam, interagiam, davam risada, sem saber que bem ali, ao lado deles, acontecia algo extraordinário. Aquelas palavras, naquela noite, mudaram a minha história.
Eu permaneci por um momento em silêncio, flutuando em algum ponto entre as nuvens e a lua. Olhei para a Neide, que chamava a atenção da classe com um livro da Clarice Lispector nas mãos, mas dentro de mim o fogo se espalhava com força.
Eu vou ser escritor! – pensei nisso pela primeira vez na vida e senti como se recebesse um abraço quente.
Saí aquela noite da faculdade com essa certeza.
Óbvio que eu não virei escritor da noite para o dia. Essa história aconteceu em 2001 e lancei meu primeiro livro em 2009, ou seja, foram 8 anos até aquilo virar realidade. E daí eu nunca mais parei. Continuei aprendendo, me dedicando, crescendo, escrevendo, e a partir de 2023 eu passei a lançar ao menos dois livros por ano.
Com tantos livros já escritos – entre obras de ficção e biografias –, e com muitos outros a caminho, é indiscutível que minha professora estava correta. Hoje eu entendo, ela apenas lançou a semente, mas foi o meu trabalho que a fez germinar. Já contei essa história mais de um milhão de vezes. Eu sei, por experiência própria, que um elogio pode transformar uma vida.
Obrigado, Neide!
Quer saber se eu sou mesmo bom como ela disse?
Isso já é outra história...
MARCOS BULZARA é formado em Publicidade & Propaganda, tem Pós-Graduação em Comunicação na ESPM e Mestrado em Educação pela PUC-Campinas. Utiliza em suas obras técnicas de criação literária que produzem narrativas de alto impacto. É casado com Cristina e tem três filhos – Bruno, Filipe e Rafael.